sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Texto: Castelos Sobre Estacas

Professor Bayma
                                               
Castelos sobre estacas
                                                                                              Por: Adelson Luiz Bayma
Ao se chegar à cidade pólo do Xingu, via BR 230 Transamazônica, do alto se mira um sutil contraste a encher os olhos de qualquer andarilho que procure um cantinho da Amazônia para passar uma chuvinha!  À esquerda, o Xinguzão a estufar esplendoroso, adentrando a terra-firme e engolindo o asfalto. À direita, a ninguémzada ensaia uma peça dantesca a ser apresentada no auge do inverno! A trupe, em seu palco de tábua e taipa, segue o ritmo da chuva e do rio. É inverno! Tempo de dar um tempo em “purgatórios” improvisados, feitos para exercitar a paciência e o índice de tolerância de “cidadãos” esquecidos pelo poder público!
Enquanto o Rio Xingu segue seu curso natural, as palafitas têm seus assoalhos levantados por até seis metros de altura, verdadeiros castelos sobre estacas! O vai-e-vem de gente e bichos sobre pontes improvisadas lembra o “beiradão do Jari” ou uma Veneza às avessas! A hora é chegada. A peça anual está pronta. Atores, diretores e figurantes estão apostos! Cenário inusitado aprovado por Shwazenegger e Cameron.
Tudo isso é para dizer que as coisas não andam bem por estas bandas. Todo mundo se vira como pode! Aqui e ali uma ajudinha providencial da guarda civil e do corpo de bombeiros salva o pouco que resta de dignidade dessa gente que, a cada ano, vê sua moradia, ir literalmente por água a baixo! Assim, como o barro nas mãos do oleiro, a vida dos “ribeirinhos” vai se transformando em bonecos rococó (sem menosprezo à Arte!). E o que é mais incrível, às vistas dos que deveriam zelar pelo que dispõe a Constituição Federal: “Todo cidadão brasileiro tem direito a moradia digna...”. Este martírio não é “privilégio” somente dos altamirenses pobres, mas de um grande contingente de marginalizados que habitam as margens dos rios e igarapés da Amazônia.
Lembremos que estamos adentrando a segunda década do terceiro milênio, convenhamos que seja inadmissível que a inteligência humana não tenha se dado conta de que a vida é curta para ser insignificante. Que bom seria se a partilha se tornasse um ato trivial entre os que têm muito com os que têm quase nada! Entretanto não é assim que pensam os afortunados uma vez que, a vida pobre dos pobres, para eles é tão desprezível!
Apesar de tudo, mantém-se viva as esperanças de que dias melhores virão! Quando o verão chegar, o cenário será outro! A vida voltará a seu curso “normal”. Nesse “novo” tempo tudo voltará como dantes no quartel de Abrantes! E... sabe  aquele odor sufocante de fossa e lixo? Dará lugar a uma nova fragrância, a de flores do campo! Sabe por quê? Porque o verão que vem chega mais cedo, segundo o calendário maia!
Enquanto o verão não chega, vão-se construindo mais e mais novos e miseráveis “castelos” sobre estacas! Quem viver verá!
                                                                                    Altamira-PA, 06 de fevereiro de 2012